Estados
Unidos, Rússia e China hoje buscam uma nova geração de armas nucleares
menores e menos destrutivas. Essa conjunção ameaça reatiçar uma corrida
armamentista semelhante à da Guerra Fria e desequilibrar o equilíbrio de
forças destrutivas entre as nações, uma situação que há mais de meio
século mantém a paz nuclear.
Trata-se de uma velha dinâmica
acontecendo de um jeito novo, com a retomada da competição entre a
Rússia, agora em declínio econômico, a China, em ascensão, e os EUA, em
situação incerta.
As autoridades americanas culpam o
presidente russo, Vladimir Putin, dizendo que sua intransigência frustra
os esforços para aprimorar um tratado de controle armamentista de 2010,
o que reduziria os arsenais das duas maiores potências nucleares.
Alguns culpam os chineses, que buscam uma vantagem tecnológica que lhes
permita conter os Estados Unidos. E há quem culpe os EUA por acelerar
uma “modernização” nuclear que, em nome da melhoria da segurança, ameaça
colocar os outros países sob pressão.
O presidente Barack Obama reconheceu a
situação durante a Cúpula de Segurança Nuclear em Washington. Ele
alertou para o potencial de “ampliar novos sistemas, mais letais e
eficientes, que acabem levando a uma nova escalada da corrida
armamentista”.
Em se tratando de um presidente que
assumiu o cargo falando em livrar o mundo das armas nucleares, foi uma
admissão de que a política americana de reduzir o caráter central das
armas nucleares pode afinal contribuir para uma segunda era nuclear.
Adversários veem o quanto os EUA pretendem gastar no programa de
revitalização nuclear —estimado em US$ 1 trilhão ao longo de três
décadas— e usam essa cifra para justificar seu próprio armamento
sofisticado.
Moscou está instalando grandes mísseis
armados com ogivas miniaturizadas, e especialistas temem que o país, ao
desenvolver novas armas, acabe por violar a proibição global de testes
nucleares. Segundo a imprensa russa, a Marinha do país está
desenvolvendo um robô destinado a espalhar uma nuvem de contaminação
radioativa a partir de uma explosão subaquática, o que tornaria as
cidades-alvo inabitáveis.
Os militares chineses, sob o controle do
presidente Xi Jinping, estão fazendo lançamentos-testes de uma nova
ogiva chamada “veículo planador hipersônico”. Ele voa até o Espaço com
um míssil tradicional de longo alcance, mas então faz manobras pela
atmosfera, numa trajetória retorcida a quase 2 km/s, o que pode tornar
as defesas antimísseis praticamente inúteis.
O governo Obama também está testando sua
própria arma hipersônica, mas uma experiência em 2014 resultou numa
bola de fogo. Os lançamentos devem ser retomados no ano que vem. Os EUA
também planejam adotar cinco tipos de armas nucleares aperfeiçoadas, com
seus respectivos veículos de lançamento, o que leva o arsenal americano
na direção de armas menores, mais precisas e menos detectáveis.
Um dos temores sobre essas novas armas é
que elas poderiam minar a sombria lógica da “destruição mútua
assegurada”, a doutrina da Guerra Fria segundo a qual qualquer ataque
resultaria em retaliação maciça e, finalmente, na aniquilação de todos
os combatentes. Embora muito debatida e muitas vezes ridicularizada, a
MAD —sua sigla em inglês, que também significa “louco”— funcionou.
Agora, a preocupação é que a precisão e o caráter menos destrutivo
dessas novas armas aumente a tentação de usá-las.
Uma importante questão abordada por
Obama é se o aperfeiçoamento bélico planejado pelos EUA não estaria
estimulando essa competição —ou se a Rússia e a China estariam
simplesmente usando-o como pretexto para melhorar suas armas, o que
aconteceria de qualquer maneira.
Obama chegou ao poder em 2009 prometendo
“redefinir” as relações com Moscou, tornar os EUA menos dependentes de
armas nucleares e avançar rumo à sua eliminação. Ele foi o primeiro
presidente a fazer do desarmamento nuclear uma peça central da política
de defesa dos EUA.
A Rússia inicialmente cooperou,
assinando em 2010 o novo tratado Start, que levou a modestas reduções
nas forças nucleares estratégicas.
Naquele ano, Obama ordenou ao Exército
que reduzisse de até três para um o número de ogivas instaladas sobre
cada míssil terrestre. A intenção era demonstrar que esses mísseis eram
mais defensivos do que de ataque.
Moscou não retribuiu. Em vez disso,
começou a posicionar uma nova geração de mísseis de longo alcance com
capacidade para até quatro ogivas miniaturizadas. Na cúpula deste mês,
Obama disse que o retorno de Putin à Presidência russa, em 2012, impediu
novas reduções de arsenal.
William Perry, que foi secretário de
Defesa no governo do presidente Bill Clinton, receia que Moscou em breve
se retire do Tratado Abrangente de Proibição de Testes, de 1996, e
comece a aperfeiçoar novas ogivas. Há duas décadas, as principais
potências nucleares observam uma precária moratória global sobre os
testes, o que é um dos pilares do controle de armas nucleares. Os EUA
cumprem esse tratado apesar de ele nunca ter sido ratificado pelo
Senado.
Os defensores do programa americano de
modernização nuclear consideram-no uma resposta razoável às agressões de
Putin, especialmente a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014.
Em fevereiro, a Casa Branca deu aval ao
desenvolvimento de um míssil de cruzeiro avançado. Lançado de um
bombardeiro, essa arma faz um longo voo rasante, esquivando-se das
defesas antiaéreas inimigas até destruir seus alvos.
O governo também está desenvolvendo uma
ogiva hipersônica própria, mas a versão americana seria não nuclear —o
objetivo é que seja tão rápida e precisa que consiga destruir um alvo
fixo apenas com a força do seu impacto.
Embora sejam compatíveis com o
compromisso de Obama de depender menos das armas nucleares, essas
inovações podem levar os adversários dos EUA a dependerem ainda mais de
seus artefatos atômicos, caso não sejam capazes de se equiparar à
tecnologia americana. A China já adaptou mísseis de longo alcance para
que possam transportar múltiplas ogivas.
Durante décadas, Washington e Moscou
mantiveram suas forças nucleares em estado de alerta elevado para que,
teoricamente, as autoridades militares pudessem disparar mísseis se as
redes de radares, satélites e computadores detectassem um ataque
chegando. Essa tática servia para evitar que um golpe paralisante
restringisse ou eliminasse a capacidade nacional de retaliar.
Críticos, no entanto, dizem que a tática
do “lançamento após alerta” aumenta muito o risco de uma guerra
acidental. No ano passado, os militares chineses declararam que estavam
buscando “melhorar o alerta precoce estratégico” para suas forças
nucleares.
Defensores do controle de armas dizem
que esse campo precisa de reinvenção. Eles veem a contagem de ogivas e
de veículos de lançamento —as alavancas tradicionais— como inadequada
para conter o desenvolvimento das novas armas. Mark Gubrud, especialista
em armas nucleares da Universidade da Carolina do Norte, tem feito
lobby para a negociação de uma proibição global de voos-testes de armas
hipersônicas.
“O mundo foi incapaz de colocar o gênio nuclear de volta na garrafa”, afirmou Gubrud. “E novos gênios começaram a se soltar.”
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