segunda-feira, 25 de abril de 2016

Potências travam nova corrida nuclear

Míssil balístico inter-continental capaz de transportar quatro ogivas nucleares desfila por Moscou, em maio de 2015 (Kirill Kudryavsev/Agence France-Presse — Getty Images)

Trata-se de uma velha dinâmica acontecendo de um jeito novo, com a retomada da competição entre a Rússia, agora em declínio econômico, a China, em ascensão, e os EUA, em situação incerta.

As autoridades americanas culpam o presidente russo, Vladimir Putin, dizendo que sua intransigência frustra os esforços para aprimorar um tratado de controle armamentista de 2010, o que reduziria os arsenais das duas maiores potências nucleares. Alguns culpam os chineses, que buscam uma vantagem tecnológica que lhes permita conter os Estados Unidos. E há quem culpe os EUA por acelerar uma “modernização” nuclear que, em nome da melhoria da segurança, ameaça colocar os outros países sob pressão.

O presidente Barack Obama reconheceu a situação durante a Cúpula de Segurança Nuclear em Washington. Ele alertou para o potencial de “ampliar novos sistemas, mais letais e eficientes, que acabem levando a uma nova escalada da corrida armamentista”.

Em se tratando de um presidente que assumiu o cargo falando em livrar o mundo das armas nucleares, foi uma admissão de que a política americana de reduzir o caráter central das armas nucleares pode afinal contribuir para uma segunda era nuclear. Adversários veem o quanto os EUA pretendem gastar no programa de revitalização nuclear —estimado em US$ 1 trilhão ao longo de três décadas— e usam essa cifra para justificar seu próprio armamento sofisticado.

Moscou está instalando grandes mísseis armados com ogivas miniaturizadas, e especialistas temem que o país, ao desenvolver novas armas, acabe por violar a proibição global de testes nucleares. Segundo a imprensa russa, a Marinha do país está desenvolvendo um robô destinado a espalhar uma nuvem de contaminação radioativa a partir de uma explosão subaquática, o que tornaria as cidades-alvo inabitáveis.

Os militares chineses, sob o controle do presidente Xi Jinping, estão fazendo lançamentos-testes de uma nova ogiva chamada “veículo planador hipersônico”. Ele voa até o Espaço com um míssil tradicional de longo alcance, mas então faz manobras pela atmosfera, numa trajetória retorcida a quase 2 km/s, o que pode tornar as defesas antimísseis praticamente inúteis.

O governo Obama também está testando sua própria arma hipersônica, mas uma experiência em 2014 resultou numa bola de fogo. Os lançamentos devem ser retomados no ano que vem. Os EUA também planejam adotar cinco tipos de armas nucleares aperfeiçoadas, com seus respectivos veículos de lançamento, o que leva o arsenal americano na direção de armas menores, mais precisas e menos detectáveis.

Um dos temores sobre essas novas armas é que elas poderiam minar a sombria lógica da “destruição mútua assegurada”, a doutrina da Guerra Fria segundo a qual qualquer ataque resultaria em retaliação maciça e, finalmente, na aniquilação de todos os combatentes. Embora muito debatida e muitas vezes ridicularizada, a MAD —sua sigla em inglês, que também significa “louco”— funcionou. Agora, a preocupação é que a precisão e o caráter menos destrutivo dessas novas armas aumente a tentação de usá-las.

Uma importante questão abordada por Obama é se o aperfeiçoamento bélico planejado pelos EUA não estaria estimulando essa competição —ou se a Rússia e a China estariam simplesmente usando-o como pretexto para melhorar suas armas, o que aconteceria de qualquer maneira.

Obama chegou ao poder em 2009 prometendo “redefinir” as relações com Moscou, tornar os EUA menos dependentes de armas nucleares e avançar rumo à sua eliminação. Ele foi o primeiro presidente a fazer do desarmamento nuclear uma peça central da política de defesa dos EUA.

A Rússia inicialmente cooperou, assinando em 2010 o novo tratado Start, que levou a modestas reduções nas forças nucleares estratégicas.


Naquele ano, Obama ordenou ao Exército que reduzisse de até três para um o número de ogivas instaladas sobre cada míssil terrestre. A intenção era demonstrar que esses mísseis eram mais defensivos do que de ataque.

Moscou não retribuiu. Em vez disso, começou a posicionar uma nova geração de mísseis de longo alcance com capacidade para até quatro ogivas miniaturizadas. Na cúpula deste mês, Obama disse que o retorno de Putin à Presidência russa, em 2012, impediu novas reduções de arsenal.

William Perry, que foi secretário de Defesa no governo do presidente Bill Clinton, receia que Moscou em breve se retire do Tratado Abrangente de Proibição de Testes, de 1996, e comece a aperfeiçoar novas ogivas. Há duas décadas, as principais potências nucleares observam uma precária moratória global sobre os testes, o que é um dos pilares do controle de armas nucleares. Os EUA cumprem esse tratado apesar de ele nunca ter sido ratificado pelo Senado.

Os defensores do programa americano de modernização nuclear consideram-no uma resposta razoável às agressões de Putin, especialmente a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014.

Em fevereiro, a Casa Branca deu aval ao desenvolvimento de um míssil de cruzeiro avançado. Lançado de um bombardeiro, essa arma faz um longo voo rasante, esquivando-se das defesas antiaéreas inimigas até destruir seus alvos.

O governo também está desenvolvendo uma ogiva hipersônica própria, mas a versão americana seria não nuclear —o objetivo é que seja tão rápida e precisa que consiga destruir um alvo fixo apenas com a força do seu impacto.

Embora sejam compatíveis com o compromisso de Obama de depender menos das armas nucleares, essas inovações podem levar os adversários dos EUA a dependerem ainda mais de seus artefatos atômicos, caso não sejam capazes de se equiparar à tecnologia americana. A China já adaptou mísseis de longo alcance para que possam transportar múltiplas ogivas.

Durante décadas, Washington e Moscou mantiveram suas forças nucleares em estado de alerta elevado para que, teoricamente, as autoridades militares pudessem disparar mísseis se as redes de radares, satélites e computadores detectassem um ataque chegando. Essa tática servia para evitar que um golpe paralisante restringisse ou eliminasse a capacidade nacional de retaliar.

Críticos, no entanto, dizem que a tática do “lançamento após alerta” aumenta muito o risco de uma guerra acidental. No ano passado, os militares chineses declararam que estavam buscando “melhorar o alerta precoce estratégico” para suas forças nucleares.

Defensores do controle de armas dizem que esse campo precisa de reinvenção. Eles veem a contagem de ogivas e de veículos de lançamento —as alavancas tradicionais— como inadequada para conter o desenvolvimento das novas armas. Mark Gubrud, especialista em armas nucleares da Universidade da Carolina do Norte, tem feito lobby para a negociação de uma proibição global de voos-testes de armas hipersônicas.

“O mundo foi incapaz de colocar o gênio nuclear de volta na garrafa”, afirmou Gubrud. “E novos gênios começaram a se soltar.”


 Fonte: The New York Times

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